terça-feira, 22 de novembro de 2016

A ÚLTIMA CARRETEADA




O manto do céu tolda de cinza a manhã, e o negror das nuvens, não dão esperança para que a baeta de um sol  esmaecido e tímido mostre sua cara sonolenta.Os rolos de  fumaça, esporádicos sobem sinuosos e lentos dos casebres do povoado e  esbarram de encontro à bruma insolvente e fundem-se numa massa disforme e espessa. __ Mateio solito, pensativo, avivo os tição do fogo quaje morto, sem baruio pra num acorda us cumpanheiro que dormem debaixo das  carreta, enfrentando a friage cuns pelego e us poncho, o borrachão de canha ficou jogado nas macega, preciso adipindurá , o cusco ainda ressona, ficou torto de um olho ,despois daquela mijada de zurilho , mas ta sempre junto , comendo a sobras, correndo alguma preá, desque o piá da fazenda foi istudá na cidade e deu ele pra mim.Vou buscá a pareia, o Malhado e o Poliango, colocá na canga,prendé o canzil e ajouja bem apertado, inda tem batata, ovo, um poco  de charque, qui  aquele estanceiro nus deu  despois que um capão premiadu dele foi morto a dentada pelo cachorro que subrinho dele troxe lá da Capitar, o subrinho foi mandado imbora e  u cachorro ta interrado lá no campo do fundo, cortemo em manta, salguemo, aproveitemo as paletas, o espinhaço fizemo com pirão, e os quarto dividimo e bamo vendé, mas ele não ache que eu esqueci , num esqueci não...Sou bisneto de carreteiro, já tive uma carreta malhor, quatro junta de boi, atravessemo este campo tudo, era teto de couro,zinco, as mais véia eram quinchado de santa fé, já fumo pra mais de mil, vinha gente de tudo que era lado, Vista Alegre,Caiboaté, Lagoão das Vacas, Copo Xujo, Borso,Batovi. Mas,bueno, um tição já está em brasa, a água da cambona ta chiando, punhei um punhado de café em pó, sem cuador, direto mela, mexo, agora e só coloca o tição em brasa dentro dela, deixar assenta u pó, e com aquela sobra de arroiz cum charque de onte que fico na rapa da panela de ferro cascuda na trempe e u pão de mio dá pra i pra cidade, vê se vendo arguma coisa e intrego u regalo que u pai dele féis , pru piá que já deve ta taludo, um homi feito. Duma feita um daqueles bugre gameleiro,  qui as veiz fica numas barraca de taquara , lá no lava-pé, tomando canha, pitando aqueles pichuá brabo, i si isfaquendo a torto e a direito, acocado  riscando cum pau nu chão  olhando pru nada, mi disse “ sabe Abaunu que piá na minha língua é coração e filho”, Bora cusco, eia boi, eia boi, entremo pelo Independência, atravessemo o Pontilhão do Canjica, vamos costeando, a graxa vai amaciando o gemido dos eixos, lá nu centro, vai zunir e vai avisa us carros , já queles diz que nóis só atrapáia, “ batata-doce?” “ovo ?” “charque”?, num, bueno, seguimo boi,boi,boi, olha aguilhada.Vamu inté u Passo da Lagoa, pedimo proteção pru Arcanjo, cheguemo no pito acesso, troquemu um poço de charque , por fumo em rama e enchemo o borrachão daquela pura , e vamu ao centro, sabe,duns tempo pra cá, canso du nada, boca seca, suadeira, e atempado das orina, mal faço uma veis ,paro já, tenho que mija de novo, pior é as vista, escurece e enuveia i mal inxergo, i cuando cravei aquele pedaço de pau e demorou prá curar? , arruinou e perdi us dedos du pé, uma benzedeira de língua inrolada  falo que pudia ser açucre nu sangue.  Tenho que entregar esta cuartinha prele, sei que meu tempo tá se indo imbora, entrego pra alguém na porta , deve  sê muito ocupado i naum vai perde tempo com um nêgo véio, estropiado i manco com este pano encardido inrolado nu pé  i sempre fedendo.
Cuando tinha fartura , muitas veiz as carretas foram trem de carga e casa de família , passemos trabaio com a muie e os tres fio, a mais veia casou com um moço da cidade , trabalhador e se foi pra Rosário ou Livramento, num trem Minuano e nunca mais mandou noticia, o do meio morreu de picada de cruzeira numa pescaria , í o mais novo , bueno, este causou a desgraceira, fez mal pra uma fia dum fazendeiro ,  introu pela jinela , durante um temporal que fiquemo abrigado nu galpão , i eles trocavam olhar , e dava pra vê que não ia dá boa cosa, embarrigou ela , o pai descobriu, quaxe matou ela a laçaço de soitera , prendeu ela num quarto até o fim da vida dela,  ele inda carretio cumigo, pur um tempo, sempre quieto , pensativo, e nus pouso se afastava e ficava-la com aquele canivetinho , fazendo num sei u quê, até que numa noite , sumiu e foi encontrado inforcado , lá na curva do da estrada que vai prá Pau Fincado , inté hoje todo mundo sabe quem foi o mandante, mas ninguém fala. Enterremo ele ali mesmo enrolado nuns coro de boi e cravemo uma cruz que quaxe nunca para dim pé, us carreteiro levanta ela, coloca pedra, e de novo ela cai.
 E anssim me fui. Bolichemo na carreta cuando parava nas vila, vendemo todo tipo de erva e chá, fumentação e remédio pras bichas dos guris empachado, quando inté com as benzedura duma moça que rezava numa língua istranha , dizam uns que era cigana, era bunita a diaba de zóio verde,  o cabelo parecia inté da minha co, não diantava.
Serviu inté de presídio pur ocasião dum baile lá na Balança, us reiúno da Rural, pegaram uma dupla se passando na conduta cum as moças, babaram eles a mangaço, e salgaram u lombo deles com as “35”, de manhã deram um banho  di açude, pra terminar de curar a borracheira e se mandaram tapar de pueira cum a cachorrada di atráis.
 .Inté de altar pra missa já serviu, um padre que gostava mais de fandango, churrasco e vinho, veiz in quando usava uma dessas pra um latinório, e pela cruiz fazia o sinal e orai pru nobis e de-lhe gaita e dança; e inté ´prá derruba uma percanta servia , e foi numa dessa drumida, que um peão dispois de toma uma puras, me oiou e  disse: “oia deve ser inda da tonturinha da canha com limão que tumei jugando bocha no sor quente, mas conheço um dotô quié tu mais moço, cuspido e escarrado”, só que branco.
Eia boi, boi, toca boi , batata doce,ovo,charque,melancia,menduim, galinha gorda,moranga,mogango; boi,boi, não sinto as mãos, zumbido nos zuvido, deixo a quartinha na entrada, alguém entrega prele, eu guento, tamo chegando, não moça não sou mendingo, sou carreteiro, prantadô da terra, num sou ladrão.
 __ O Doutor já fez a filantropia do dia, tire uma ficha. Tome um banho. Volta pra carreta, que ficou atravessada na via pública, atrapalhando o trânsito, já não enxerga mais, língua grossa, sede, çalca mijada, e os cotocos dos dedos ,em pus e sangue putrefato. A aguilhada no peito, do vento que faz a carreta de várias toneladas carregada de bois , jogar seu corpo para o ar e romper a cabeça no meio fio; como um melão maduro, e a quartinha rola de seus braços e revela seu conteúdo.
Acodem correndo curiosos, e populares e também o médico da emergência.
Lembra que sua mãe nunca revelara quem fora seu pai, mas sabia que era neto de carreteiro.

Ali na calçada , junto ao corpo sem vida, “uma carreta  de papelão; com  as rodas raiadas feitas com carvão, uma junta de bois feita de sabugo de milho,   que seu pai falquejara nas noites de pouso sob as estrelas”, para um filho... o lamento dos eixos da carreta ecoam pela rua puxada pelo reboque.