Durante as
férias de verão tenho por hábito voltar a minha terra, São Gabriel, Terra dos
Marechais onde o churrasco de ovelha, assado no fogo de chão , o capão fica
estendido numa cruz de pau , sendo temperado com uma salmorita , respingada com
um punhado de folhas verdes, uma fritada de traíras pescada na hora, uma boa
canha e aquele palheiro puro, pra espantar os mosquitos, na beira do fogo
enquanto a cambona chia e as mariposas bailam a luz disforme das salamandras
que crepitam de um pai de fogo.
Pois bem,
vamos ao causo que é tarde e vem chuva, fomos de fusca, eu, meu tio e o cunhado
dele, ambos pesando bem mais que cento e vinte quilos, mais as tralhas de
pesca, cacaredo e mochila, o fusca veio gemia, dava estouro e nós seguimos rumo à fronteira do estado pela duzentos e
noventa a fora , o limpador de para-brisa não funcionava, minto, funcionava de
maneira manual, o passageiro além de ser copiloto, tinha a missão de quando
chovia, e choveu muuuito aquele dia, o mecanismo era simples, um barbante
amarrado às palhetas e passado entre a ventarolas, e conforme a intensidade da chuva,
aumentava ou diminuía o ritmo, lá pelas bandas de Butiá a correia dentada foi
pro saco, não tinha reserva e nem auto peças nas proximidades, o jeito foi
tirar a meia elástica de um dos gordos, que tinha flebite e usar como correia
“provisória” definitiva. Levamos quase dez horas pra chegar em São Gabriel,
viajem que se faz em até quatro horas.
Posamos na
cidade, e ao raiar do sol, fomos em direção ao local da pescaria no famoso rio
São Borja, chegando lá percorremos um cinco quilômetros a pé, até o local do
pesqueiro, e para nossa frustração o rio tava atorada, devido a seca na região,
e desvio pras lavouras, fazer o que o jeito foi tentar a sorte nos sangões que eram
formados pelos baixios do rio, o parceiro do meu tio, resolveu colocar a rede
de lambari prá iscar espinhel, sem camisa e só de cueca, Bueno, foi o tempo de
ele entrar e sair a toda d’água, com uma palometa em cada mamica, e outra
enfiada no rego, jogou-se na areia escaldante e se viu livro daqueles bichos
com dentes afiadíssimos, mas como o que não tem remédio, remediado está, e ninguém
mais ia entrar naquela água, as palometas foram usadas de isca.
Iscamos umas
quatro linhas de fundo, e uma com boia de espera próximo ao sarandizal, e tarde
passou modorrenta e quente, a noite caiu ,fizemos fogo e preparamos aquele
arroz de china pobre, e sentamos á beira do fogo para comer. De repente ouvimos
barulhão dentro d’agua , um estrondo, formou-se uma onda demais ou menos dois
metros de altura, que atingiu o nosso acampamento, refluiu e voltou tudo a
calmaria dantes, a tabuinha da linha reluzia ao brilho da lua cheia no meio do
sangão, meu tio falou ,” se for o que to pensando é um dourado dos grande,
que se ferrou, e ficou preso nas raiz”,
a luz esconde-se atrás de uma nuvem, foquei com uma lanterninha paraguaya, e
jogou outra linha e conseguiu que o anzol pegasse na linha que prendia a tabua
e foi puxando devargazinho, e começou a pesar e cortar as mãos,chamou ajuda , o
compadre amarrou a linha na cintura, e foi puxando, quando aproximava-se da
margem , imaginem...outro estrondo e aquilo que vinha na linha se mostrou( bah
.ainda hoje me arrepiou) era uma arraia de uns oitenta centímetros de
circunferência e uma cauda de uns dois metros, barriga branca e lombo preto
como a noite, e com muito esforço conseguimos
tirar o bicho d’água, o compadre querendo executar a arraia com uma
pistolinha 32, cada tiro batia no lombo e batia nas arvores, morreu ali e de
manhã é que fomos ver direito o que era.
Como
fusca não tem bagageiro , colocamos a raia no amarrada sobre o teto e
resolvemos vir direto para Porto Alegre,porque o sol já escaldava justamente no
dia mais quente do ano, andamos uns cem quilômetros e o fusca adernou pra um
lado, pneu furado, troca por estepe, careca e meio murcho, liso que se passasse
por sobre uma moeda podia saber o valor. E seguimos, quer dizer tentamos, mais
alguns quilômetros, uma faiscadas no asfalto, o pneu simplesmente dissolveu-se,
e o aro fazendo sulco nos asfalto,
vermelho vivo em brasa, ficamos parado no meio do nada, borracharia nem pensar,
ainda mais Domingo, meu tio numa atitude de desespero, debruço-se sobre o
fusca, e recuo logo, pelo impacto, ato continuo foi até o posta-luvas, pegou um
canivetinho que cortava até pensamento, cortou rente o rabo da raia, tirou a
cauda e falquejou as abas do lado ,ficando redondo, que coube certinho no aro
ainda fumegante e soldou , e serviu de pneu para virmos embora, pois aquele sol
todo tinha deixado o couro dela dura
como ferro.
Ainda no Enart
passado nosso acampamento era visitado, sempre a atração era aquele “disco de
arado” que fazíamos entrevero, que alguns juram que viam dois olhinhos se
mexendo. Ah! E a cauda ficou de recuerdo, uso como antena de televisão, nunca
mais paguei TV a cabo, e tenho mais de quinhentos liberados, e nunca passarinho
algum pousou nela, por causa do ferrão que continua ativo.
Bueno
acalmou-se a chuva, vou buscar o bragado ,para uns tiros de laço, lá pras
bandas da Lagoa da Maria Rosa, dizem que é assombrada, mas isto outro
causo.Inté.
É isso.