quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Quem não tem cão...(Causo)

                         
Durante as férias de verão tenho por hábito voltar a minha terra, São Gabriel, Terra dos Marechais onde o churrasco de ovelha, assado no fogo de chão , o capão fica estendido numa cruz de pau , sendo temperado com uma salmorita , respingada com um punhado de folhas verdes, uma fritada de traíras pescada na hora, uma boa canha e aquele palheiro puro, pra espantar os mosquitos, na beira do fogo enquanto a cambona chia e as mariposas bailam a luz disforme das salamandras que crepitam de um pai de fogo.
Pois bem, vamos ao causo que é tarde e vem chuva, fomos de fusca, eu, meu tio e o cunhado dele, ambos pesando bem mais que cento e vinte quilos, mais as tralhas de pesca, cacaredo e mochila, o fusca veio gemia, dava estouro e nós seguimos  rumo à fronteira do estado pela duzentos e noventa a fora , o limpador de para-brisa não funcionava, minto, funcionava de maneira manual, o passageiro além de ser copiloto, tinha a missão de quando chovia, e choveu muuuito aquele dia, o mecanismo era simples, um barbante amarrado às palhetas e passado entre a ventarolas, e conforme a intensidade da chuva, aumentava ou diminuía o ritmo, lá pelas bandas de Butiá a correia dentada foi pro saco, não tinha reserva e nem auto peças nas proximidades, o jeito foi tirar a meia elástica de um dos gordos, que tinha flebite e usar como correia “provisória” definitiva. Levamos quase dez horas pra chegar em São Gabriel, viajem que se faz em até quatro horas.
Posamos na cidade, e ao raiar do sol, fomos em direção ao local da pescaria no famoso rio São Borja, chegando lá percorremos um cinco quilômetros a pé, até o local do pesqueiro, e para nossa frustração o rio tava atorada, devido a seca na região, e desvio pras lavouras, fazer o que o jeito foi tentar a sorte nos sangões que eram formados pelos baixios do rio, o parceiro do meu tio, resolveu colocar a rede de lambari prá iscar espinhel, sem camisa e só de cueca, Bueno, foi o tempo de ele entrar e sair a toda d’água, com uma palometa em cada mamica, e outra enfiada no rego, jogou-se na areia escaldante e se viu livro daqueles bichos com dentes afiadíssimos, mas como o que não tem remédio, remediado está, e ninguém mais ia entrar naquela água, as palometas foram usadas de isca.
Iscamos umas quatro linhas de fundo, e uma com boia de espera próximo ao sarandizal, e tarde passou modorrenta e quente, a noite caiu ,fizemos fogo e preparamos aquele arroz de china pobre, e sentamos á beira do fogo para comer. De repente ouvimos barulhão dentro d’agua , um estrondo, formou-se uma onda demais ou menos dois metros de altura, que atingiu o nosso acampamento, refluiu e voltou tudo a calmaria dantes, a tabuinha da linha reluzia ao brilho da lua cheia no meio do sangão, meu tio falou ,” se for o que to pensando é um dourado dos grande, que  se ferrou, e ficou preso nas raiz”, a luz esconde-se atrás de uma nuvem, foquei com uma lanterninha paraguaya, e jogou outra linha e conseguiu que o anzol pegasse na linha que prendia a tabua e foi puxando devargazinho, e começou a pesar e cortar as mãos,chamou ajuda , o compadre amarrou a linha na cintura, e foi puxando, quando aproximava-se da margem , imaginem...outro estrondo e aquilo que vinha na linha se mostrou( bah .ainda hoje me arrepiou) era uma arraia de uns oitenta centímetros de circunferência e uma cauda de uns dois metros, barriga branca e lombo preto como a noite, e com muito esforço conseguimos  tirar o bicho d’água, o compadre querendo executar a arraia com uma pistolinha 32, cada tiro batia no lombo e batia nas arvores, morreu ali e de manhã é que  fomos ver direito o que era.
  Como fusca não tem bagageiro , colocamos a raia no amarrada sobre o teto e resolvemos vir direto para Porto Alegre,porque o sol já escaldava justamente no dia mais quente do ano, andamos uns cem quilômetros e o fusca adernou pra um lado, pneu furado, troca por estepe, careca e meio murcho, liso que se passasse por sobre uma moeda podia saber o valor. E seguimos, quer dizer tentamos, mais alguns quilômetros, uma faiscadas no asfalto, o pneu simplesmente dissolveu-se, e  o aro fazendo sulco nos asfalto, vermelho vivo em brasa, ficamos parado no meio do nada, borracharia nem pensar, ainda mais Domingo, meu tio numa atitude de desespero, debruço-se sobre o fusca, e recuo logo, pelo impacto, ato continuo foi até o posta-luvas, pegou um canivetinho que cortava até pensamento, cortou rente o rabo da raia, tirou a cauda e falquejou as abas do lado ,ficando redondo, que coube certinho no aro ainda fumegante e soldou , e serviu de pneu para virmos embora, pois aquele sol todo tinha deixado o couro dela  dura como ferro.
Ainda no Enart passado nosso acampamento era visitado, sempre a atração era aquele “disco de arado” que fazíamos entrevero, que alguns juram que viam dois olhinhos se mexendo. Ah! E a cauda ficou de recuerdo, uso como antena de televisão, nunca mais paguei TV a cabo, e tenho mais de quinhentos liberados, e nunca passarinho algum pousou nela, por causa do ferrão que continua ativo.
Bueno acalmou-se a chuva, vou buscar o bragado ,para uns tiros de laço, lá pras bandas da Lagoa da Maria Rosa, dizem que é assombrada, mas isto outro causo.Inté.

É isso. 


João de Deus Vieira Alves