ESTAÇÕES
Poema:
Pedro Júnior Lemos da Fontoura
Conto:
João de Deus Vieira Alves
Primeira
Estação
Meus
sonhos estrada afora
Rebrotam
pelos galpões.
Com
sotaques de esporas
Timbrando
novas canções.
Do
guri que, adolescente,
Torna
rebelde os verões.
O
Sol escaldante, forma abstratas figuras nas pedras centenárias da
gare, e esfunecem-se no ar, passos apressados, zumbido de varejeiras,
perturbando o sono do bêbado, meio sentado, meio dormindo, no banco
desgastado, o cheiro de fritura, pastel, rapadura, óleo diesel,
fumaça e mijo seco, formam um mosaico de cheiros e odores. Eles ali
parados, seguros pela mão firme do pai, fardado e suado, esperando o
fiscal para entregá-los e os conduzir a seus destinos, sandálias,
calças curtas com suspensórios, camisas volta ao mundo. Um apito.
Ranger de ferros. Embarcam, sentam juntos. Mãos dadas. Último banco
do vagão. Irmãos, um a dois anos de diferença. Na ultima pescaria
o menor fora com o Pai. Uma linha trancou nos troncos do fundo da
barragem. O Pai mergulhou para destrancar. Nublaram o céu e os
olhos. O tufão jogou-o longe, parou na cerca de arame farpado. Nunca
mais esqueceu aquele dia. Os pés não encostam no chão do vagão.
Passam os cerros, o gado, o rio,as arvores, as lembranças. Fogão à
lenha, futebol de pés descalços, jogo de bolita, mosquetão de
madeira e cano de carretéis de linha, estes mesmo quando quebrado
eram fundidos no fogo, naquelas panelinhas que vinham no leite em pó,
lixados e viravam jogos de botão, e na banda que vivia “borracha,
o bombardino era feito do talho de folha de abóbora”. O apito
anuncia a próxima Estação.
Segunda
Estação
No
tempo das carreteadas
Eu
andei perdendo sonos.
Curtido
nas madrugadas,
dos
tauras herdei entonos,
e
amansei maturidade,
bem
e tal e qual outonos.
As
folhas secas e amareladas formam torvelinhos pelos cantos da gare, o
céu de uma azul sem manchas, árvores erguem os braços desnudos.
Embarca nesta estação, um guri, moleque de óculos com lentes
grossas, cabelos crespos desgrenhados, um bodoque na mão e na outra
rapaduras de amendoim, pega os dois pela mão e sai campo a fora,__
até o trem fazer a baldeação e trocar de máquina vai demorar__
ainda não caiu à noite, e vale a pena tomar banho de sanga, com o
fundo de casca de arroz do engenho queimado, tempo de pegar
“emprestado” bicicletas, para pescaria roubada , eles eram os pés
do menor, tanto o levando nos ombros, como na garupa , em
contrapartida ele era os olhos deles, e seu porto seguro quando
relampejava e trovoava – na vez que mataram um muçum a faconaço,
porque a corrida dele quando fisga e igual a da traíra- como estavam
sem óculos , desmancharam o bicho do meio até a cola e perderam um
anzol japonês legitimo , que ficou tipo arpão- mas isto é outro
causo... Ah! Tinha também um saco de estopas, que era usado como
rede, que foram saber mais tarde, que a sova que tomaram de mango e
soitera quando preparavam uma bela fritada numa lata de goiabada, não
eram lambaris, e sim girinos (sapo de cola).
Terceira
Estação
Me
fiz homem com o tempo,
Peleando
por sobrevivência.
Resguardando
sentimentos
Nos
fundões desta querência.
E ri
de melenas mouras
Dos
invernos da existência.
O
tempo roda e não para,
Mas
renova os corações.
E
deixa sulcos na cara,
Herança
das estações.
O
sino ressoa forte, e o grito de “vai partir” ecoa, e embarcam
novamente. O frio encanzina e entangui. Abraçam-se.Batem
queixo.Tremem. Uma capa rural surge do nada. Cobre-lhes.Tinir de
esporas. Abas-Largas. O Grito__ Seu guarda lavar a honra,não é
crime. O vento silva nos ouvidos,dormem profundamente. O guri dos
óculos sorrateiramente. Desembarcou descalço na geada e sumiu no
nevoeiro. O trem resfolega num sofrimento atroz tentando vencer a
coxilha e sonham com o Chico, ratão do banhado, que mergulhava na
água congelada no açude detrás “das casa” , da vez que pegaram
mixacão, nas bostas e mijo do gado das mangueiras, carrapichos até
nos cabelos, chamichunca nos lagoão das vacas, e na hora da sestia
dos peões nos galpões ,tentando pegar a nanica poedeira, pra uma
tenteada mais tarde, depois da veia cozinheira recolher os ovo, das
domas nos terneiro das vacas de leite e as carreiras no petiço
pipeiro, café engrossado com farinha de mandioca e uns bolachões
duros como a vida. O sol tímido aos poucos mostra a cara e perpassa
as frestas do vagão, o guri mais velho , solta a mão do menor,
cobre o menor, lhe dá um beijo na face e aproveitando a parada do
trem para colocar água, desembarca também.
Quarta
Estação
O
tempo anda apressado
Deixando
marcas nas eras.
O
futuro beija o passado,
O
campo pinta aquarelas.
O
perfume da flor de laranjeira, o canto mavioso de uma sabiá, os
animais no cio, campos floridos, e aquela brisa suave de fim de tarde
que balançam o cabelo do trigal maduro inundam o sonho do último
guri que ficou no trem.
Uma
mão pesa-lhe no ombro. __ Ei. Senhor! Chegamos. Fim da linha.
Acorda!
Espreguiça-se,
esfrega os olhos.Pega a bagagem de mão. E antes de descer corre os
olhos pelo vagão, e lá nos bancos dos fundos, dois pares de óculos
de lentes grossas, um bodoque, um mosquetão, farelos de rapadura de
amendoim, esquecidos pelos guris que desembarcaram antes .Desta
viagem chamada VIDA!
Quase
esbarra na mulher grávida de gêmeos que está embarcando.