( Nara Elizene e Tio Ornés , o autor e Tio Luiz,inspiradores do Poema, seres iluminados verdadeiros herdeiros de "Porongos)
Poema vencedor Troféu de Primeiro Lugar do Concurso Literário Gaúcho -Poesia do ENART 2012.
Negro Lanceiro
Autor: João de Deus Vieira Alves
baú empoeirado das lembranças
envoltos pela bruma, em fragmentos
correm varas da mangueira do tempo
libertando tropilha de recuerdos.
vêm do fundo do campo d'alma
rebentando a corrente dos olhos.
voz rouca, embargada
narrando “cosas”, com calma
muitos , muitos janeiros
embaçados de viver e sofrer.
barba e cabelos de algodão
dando à fisionomia aguda impressão
velhice, ternura, sofrimento .
olhar vestindo, os piás, calados
histórias, causos, lendas
temores, assombrações, bravura.
cativos na Mama Africa
garroteados ao libambo seguem
os doentes e fracos abandonados
gargantas abertas, o medo , o horror
epidemias, suícidos ,loucuras
pesadelo, realidade, escravidão
liberdade utópica, traição
tempo de chagas abertas
rompem torrentes, como coriscos
retumbam campinas na mente,
ecos do cantar de ferros e aço.
Noventa e três, volta com força
Gumercindo , e sua gente
Carpintaria, Salsinho, Campo Osório
cruentas batalhas, sangue irmão
derramado
defendendo ideais, que diziam ser justos.
gritos hediondos, rouba-lhe o sono
trezentos degolados do Rio Negro.
como esquecer o Cabo Duza,
castelhano do peito vermelho.
Nicolau, preto e soldado
de a cavalo, lança à destra..
velho Domingos, mateiro desbravador,
condutor de tropas, nas coxilhas e
canhadas.
Vinte e três, uma
ferida aberta ...viva
pica-paus, chimangos, rebeldes,
maragatos
ombreando lado a lado, voluntários
Passo Fundo a Pedras Altas.
no combate da Conceição
pisou o Barro vermelho da lagoa
mescla do sangue, seiva e fibra
dos bravos que tombaram naquele chão.
Depois veio a Paz? Não.... as esquinas
!
miséria, o esquecimento
farda feita em frangalhos
Sem soldo, nem provimento
no exílio dos asilos
árvore frondosa de outrora
peleando com nacos de vida
relegado, doente e só.
uiva o minuano , ouvidos cansados
balançando cruzes
de madeira toscas
campa fria, grotões esquecidos.
não mais coxilhas, o corredor deserto
invés de campos, abandono e dor
cavalos de papel, a flutuar no etéreo
clarins mudos, sem toques de avançar
restou a tristeza, nesta
cadeira-prisão
fogo morto nos galpões
coberto baixeiro sobre penas mortas
grades, concreto como horizonte
Adeus, Nego Venâncio, cavaleiro de luz
manancial de águas claras
somos
parte de ti, meu irmão
despilchados, esquecidos
Pretos.Pobres.Provisórios.Pé-no-chão