Sinto o cheiro das flores de
laranjeiras invadirem minhas ventas e a brisa suave da primavera já mostra sua
cara, dizem pelaí que este ano o desfile vai ser o maior de todos os tempos ,
deu na rádio que vão apostar quem coloca mais cavalo na rua, upa pá pá, e aquele
baio frente aberta a pouco arrocinado vai ser a flor de estampa do piquete, mas
o rosilho do guri do patrão, ficou manso de boca e trote macio, me desculpe o
patrãozinho, mas ficou lindo inté pra o montar das moças, um fachadão.
Me alembro quando vim pra estancia,
diz que meu pai babou um calavera a facão numa tasca, por causa de trago e
uma china candongueira e só teve tempo
de apanha as pobrezas, mete numa carroça, vim de contabrando tapado com um couro
de boi , que a poliça tava na cola dele, e se aquerenciou aqui ,ficando de
posteiro neste fundão, por gratidão do dono das terras, pra ocasião em que
cantaram os ferros e num vupt ele alçou a perna com o rapazola se tremendo todo
e mijando perna abaixo pelo cagaço do entrevero, achava que por ser doutor era fácil cobiçar a
percanta novinha na zona, preferida do zarolho maleva que já trazia mais de dez
mortes nas costas, ficou sabendo tempo depois que aquele moço era filho de um
estanceiro rico e tinha campos que numa galopeada das baguala levava bem uns
dois dias pra cobrir tudo.
Me criei guacho e xucro, sem sabe lê
nem escreve, minha mãe ficou na cidade,
dizem que virou mulher da vida e morreu de doença do sangue e fraca dos “polmão”,
meu pai tempos despois veio a morre emaranhado numa cerca de arame farpado
quando voltava da venda com o sortido e ficou lá a noite toda e só foi
encontrado no outro dia na soalheira ,cozido , de tanto vinho que bebeu.
Fui mandalete nas lavouras de arroz,
sempre com um casquinho de chifre, pras precisão de se um acaso fosse picado de
cobra, que cruzeira naquelas banda era mato,curei bicheira, castrei touro, comi
os bagos na salmoura, muita novilha atracada não deu pra salvar o terneiro e o
nonato fervido com pirão na pimenta era a bóia para guentar o tirão, fui
coimeiro nas cancha de osso, alambrador,
esquilador, changueador, domador, as vezes, a troco de fumo e canha, e sendo
depenado nos cabarés com pinguanchas ligeiras de beiço pintado e olhar rebenqueadores,
mas meu oficio que sempre me gustó foi o de lonqueador, lida de horas a fio,
courear, preparar o couro, limpar raspando os pelos, fazendo tentos, tranças,
costuras e retovos. Arreios de meu
feitio correram fama e ganhei uns trocados, e lhe garanto se não fosse esta dor
nas costas tava até hoje lonqueando e fazendo garras.
A pequena ponta de gado foi mermando,
as galinhas ,as ovelhas, só restou este cusco ovelheiro me fazendo companhia,
numa magreza de dar dó, uma angústia, ralho com ele, espanto, mando se
aquerenciar noutro rancho, mas nada, parece que nem é com ele.
Não respeitam os mais velhos, nem
adeus eles dão, passam pela gente e nem olham, se alojaram na casa grande,
puxaram um fio dos postes que plantaram na estrada, é uma barulheira, não
consigo entender, ficam amontoados na frente daquela caixa que mostra gente lá dentro delasem prosear e nem
mesmo se olharem, não tem roda de mate nem tampouco de causos, e este piá sotreta tá sempre aqui no galpão
espalhando meus tareco, até meu pelego presente do seu Dionísio na ultima comparsa
que fizemos, a martelo, tá com o carnal todo rendado e cheio de pulgas deste guaipeca
de fresco lá da cidade, ah se não fosse esta dor nas costas, dava uma sumanta
de relho no pai dele, passava urtiga braba na bunda do guri e botava campo fora
com a cachorrada atrás.
Mas hoje, tem desfile .Madrugaram na
estância, carnearam ovelhas e novilho abriram um valetão, espetos de lado a
lado, canha a la farta, música ,arreios e aperos luzindo, tudo de pilcha nova e
umas camisas da mesma cor dizendo sei lá o que. Ah. Mas hoje tô um pouco melhor
fiz uma infusão com ervas, álcool e passei nas costas , remendei as garras ,
tomei banho na cacimba, ajeitei a carapinha, que já mostra uns flocos de
algodão, bombacha de grivo com meu nome bordado, jaleco de couro de capincho,
lenço vermelho, camisa xadrez, as botas com mossa das esporas garroneiras, a
guaica lonqueada, trançada e enfeitada com os cartuchos do chimitão das
confiança, e meu chapéu pança de burro, que muitas vezes foi minha casa nas
noites de ronda, sol inclemente e frios de entanguir , e meu lunanco já tá pronto prum
quero , não me misturei na festa, vou esperar aqui na sombra e sigo com eles rumo a cidade,
já sinto o tropel, já tão chegando , levanta cusco , vais de escoteiro a meu
lado, pachola , ouvindo as palmas do povo, vamo ,tchê , a dor nas costas tá
aumentando e este cavalo não consigo achar a volta, a dor tá aumentando, vou
tomar meia de canha com butiá e aguento o repecho, já tão na curva do açude e
na frente vem o patrãozinho e o piá entonado.Ah. Montei e tô junto do piquete,
mas eles não me esperaram, continuaram, ah se não fosse esta dor ,dava uma
galopeada e raiava com estes borra-botas, onde já se viu deixar um parceiro prá
trás, e tu jaguara sarnoso, nem pra acoar tem força ou morder as patas
destes matungos.
Na estancia ,encilham, montam ,formam o
piquete , o porta bandeira na frente com brasão da cabana, referência na
criação de cavalo crioulo, rumam para o desfile, contornam o açude , entram no
corredor e sob a centenária figueira, um destinto lenço esfarrapado, numa cruz
tosca carcomida, desperta a atenção do guri que indaga o pai, de quem é aquela
cova.
__ Não te importa ,dizem que que aí
enterraram um negro véio, que se meteu a domar um cavalo maleva, levou uma
rodada e se planchou com as costas na cerca de pedra da mangueira, ficou
entrevado e morreu, e como não tinha ninguém por ele , colocaram ele aí, pra
servir de adubo e bóia pras formigas, e nem com reza braba conseguem tirar este
cusco chaguento só pele e osso de cima dessa sepultura.
NA. Os erros ortográficos, devem-se a
fala do narrador da estória.