Ele amanheceu sozinho e atônito. O amargo na boca, a sensação de corpo pesado,
o sonho fora tão real, e o cinzeiro transbordando, as taças de vinho no tapete
junto às almofadas amarfanhadas, lhe deixam mais confuso.
O
prédio fica na rua mais movimentada da grande metrópole, um arranha-céu
imponente, dominando a paisagem. Destaca-se dos demais, por sua arquitetura futurista.
Hermenegildo
Dantas caminha pensativo, sorumbático, sozinho em meio à multidão que o cerca,
suando desconfortável, dentro do terno de grife famosa e gravata de seda
italiana, a mão gordurosa, quase deixa escapar a pasta de executivo abarrotada,
sentindo os espinhos furar o papel celofane e fustigarem a outra mão.
Fogo
ardente! Queima o peito. Adrenalina insuflada. Correr...o nada é tudo que se
quer.
Adentra
o prédio, pára quando vê o homem de
terno e camisa preta. Deve ser algum novo representante comercial, que fica
tomando o tempo dos médicos, atrasando a consulta dos pacientes.Pensou..
Na
recepção, o guarda uniformizado lhe pede a identidade, ato continuo, apanha sob
a mesa e entrega-lhe o crachá de visitante. Despreza o elevador, sobe pelas
escadas, afinal irá no 4º andar.
As
palpitações aumentam, cenho franzido, a dúvida e a incerteza martelam seu
cérebro. Resfolegante chega ao corredor. Divisa a porta ao fundo.
_
Sala 401. Entre sem bater. Mantenha a
Porta fechada. Ar condicionado.
É
aqui!
Mãe
exemplar. Esposa dedicada. Funcionária Padrão.
Mulher
idolatrada.
Entra.
A
realidade crua, açoita seu rosto, o chão some sob seus pés, estarrecido, recua
pé ante pé, fecha a porta sem alarde e sai.
O
suor encharca, como o calor sufoca. Os pés pesam como chumbo, sobe, cada vez
mais, o olhar turvado, o coração querendo sair pela boca; Após uma eternidade,
chega ao terraço, arrasta-se apoiado na casa de máquinas, nem mesmo a lufada de
vento devolve-lhe a serenidade.
Vazios
imensos. Maquiagem de fantasias. Manequins? Andar...o nada é tudo o que se vê.
Vozes
mudas, línguas travadas. Anéis de fumaça, vapores de espuma. Engatinhar... o
nada é tudo o que se tem.
Solidão
em grupo. Quereres.Música quebrada, cristais partidos. Arrastar-se...o nada é
tudo o que restou.
Chega
ao parapeito.Sobe. Hesita...lança-se no vazio. Plana por instantes.
Fragmentos.
“Flahs-back” _ Amor chegarei mais tarde, tenho trabalho extra a fazer”, Não
hoje vai ter “vernissage”, “ Não estou te evitando,tolinho, é só uma
indisposição passageira.
O
chão aproxima-se rapidamente.
“Todos
os amigos vão, fica chato, não ir “ ‘ Ciúme, bobinho, isso prova que me amas!”
O
baque surdo. Estatela-se de encontro ao solo, murcha como um balão furado. A
turba acotovela-se ao redor, corpo grotescamente disforme, donde escorre um
filete de sangue do canto da boca.
A
pasta aberta espalha o conteúdo na rua; Um buquê de rosas rubras, um
porta-jóias, com a aliança de ouro que seria presenteada, o cartão com breve
poesia “Te amo! Lúcia”
Na
mão crispada, o crachá.
“Visitante
nº 401”
No elevador Lúcia,pensa:
Logo hoje, aniversário de casamento, minha irmã gêmea que eu julgara morta veio
me visitar, espero que o vestido que eu
tinha de reserva tenha lhe servido,
terei que convida-la para almoçar conosco.
-
Acho que o Gildo não vai se importar
Ao longe o som de uma
sirene perde-se, na cidade calada.