No
conto Baleia de Graciliano Ramos, que também é um capitulo do livro “ Vidas
Secas”, aliás o autor partiu dele para compor o livro, temos características
marcantes de intensidade e tensão, no qual a personagem principal é uma cadela,
e o autor imprime dose de humanidade tal, que as demais personagens humanas
passam a ser periféricas, como Fabiano, sinhá Vitória e os meninos que nem nome
tem.
1. Revelação
da vida de uma personagem
Começa o conto descrevendo o
estado físico da Cadela Baleia , cheia de chagas, quase sem pelos, enorme
feridas abertas, cobertas de moscas que lhe conferiam o aspecto de um arremedo
de animal, e ainda com suspeita de hidrofobia (raiva canina), tinha amarrado ao
pescoço um colar de sabugos (crendice popular) para curar a raiva. Tratavam-na como uma pessoa da
família ao ponto de não haver diferenciação entre ela e os meninos nas
brincadeiras e agruras da fome. A decisão tomada por Fabiano em por fim aquele
sofrimento, com um tiro de espingarda.
Por parte
de sinhá Vitória há pena e nojo, revolta contra
Fabiano, por não esperar mais um dia para a execução e por fim
resignação. Após a decisão Fabiano caça Baleia pelo pátio, que atingida foge e
embrenha-se no mato.
.“ E,
perdendo muito sangue andou como gente em dois pés, arrastando-se com
dificuldade a parte posterior do do corpo”( Pag 2, par 6) . Consegue
esconder-se numa nesga de sombra que
ladeava a pedra, e na agonia
da morte que se aproximava “relembra” os momentos de sua vida, o nascimento, o
tratamento que recebeu, sendo acolhida e cuidada e julga por não ter cumprido
as tarefas mais comezinhas, estava sendo punida, e neste delírio “pre mortem” um mundo novo descortina-se
em sua mente, com abundância de comida, felicidade, liberdade que a noite que
chegou proporcionará”
O oitavo item do decálogo do
perfeito contista de Horácio Quiroga serve como referência como Graciliano
conduz a vida de suas personagens no conto
“ Toma teus personagens pela mão e leva-os
firmemente até o final, sem atentar senão para o caminho que traçaste. Não te
distrai vendo o que eles não podem ver ou o que não lhes importa. Não abusa do
leitor. Um conto é uma novela depurada de excessos. Considera isso uma verdade
absoluta, ainda que não o seja.”(Horácio Quiroga)
2.
Tensão
Neste conto existem momentos de tensão e intensidade marcantes, tais como
o municiamento da espingarda. “ Escutou, ouviu o rumor do chumbo que se
derramava no cano da arma, as pancadas surdas da vareta na bucha. Suspirou.
Coitadinha da Baleia.( Pag 1, par.9).
3. Intensidade
As
minúcias dos detalhes criam uma cena intensa para o denselace.
“Em seguida entrou na sala, atravessou o
corredor e chegou à janela baixa da cozinha. Examinou o terreiro, viu Baleia
coçando-se a e esfregar as peladuras no pé de turco, levou a espingarda ao rosto.
A cachorra espiou o dono desconfiada, enroscou-se no tronco e foi-se desviando,
até ficar no outro lado da árvore, agachada e arisca, mostrando apenas as
pupilas negras. Aborrecido com esta manobra, Fabiano saltou a janela,
esgueirou-se ao longo da cerca do curral, deteve-se no mourão do canto elevou
de novo a arma ao rosto. Como o animal estivesse de frente e não apresentasse
bom alvo, adiantou-se mais alguns passos. Ao chegar às catingueiras, modificou
a pontaria e puxou o gatilho. A carga alcançou os quartos de Baleia, que se pôs
latir desesperadamente.(Página 2, Par 3).”
4. Efeito Único
Não há
reviravolta no conto, ele segue de forma linear até o seu desfecho o parágrafo
inicial leva ao encontro do parágrafo final.
“A CACHORRA Baleia estava para morrer. Tinha emagrecido, o pelo
caíra-lhe em vários pontos, as costelas avultavam num fundo róseo, onde manchas
escuras supuravam e sangravam, cobertas de moscas. As chagas da boca e a
inchação dos beiços dificultavam-lhe a comida e a bebida”( Pag 1, par 1.)
Note-se a informação em maiúscula
na segunda palavra do parágrafo, ele nos diz que a cachorra vai morrer, já
preparou o leitor. E fecha o conto usando como metáfora da morte o verbo
dormir, o sofrimento pela felicidade, a fome pela fartura, perdoando o seu
algoz, voltando a brincar com as crianças. “Baleia
queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de
Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espojariam com ela, rolariam com ela
num pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria todo cheio de preás,
gordos, enormes.”(pag3, Parágrafo Final).
E neste particular o conto é fiel ao
quinto mandamento do perfeito contista , “Não
começa a escrever sem saber, desde a primeira palavra, aonde vais. Num conto
bem-feito, as três primeiras linhas têm quase a mesma importância das três
últimas.” Horácio Quiroga, e
obedece a máxima literalmente de Anton
Tchekov, “se colocar uma espingarda
no conto ela vai ter que disparar até o final.”
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